Inquérito Cinanima
1. Qual foi o primeiro contacto que teve com o Cinanima?
Estávamos em 1977 quando um dia uns senhores vieram a casa do meu pai, que então exercia as funções de Delegado do Ministério da Cultura (ou Secretaria de Estado, já não sei precisar) no Norte, apresentando-lhe um projecto para a realização de um festival Internacional de Cinema de Animação e ter lugar em Espinho. Foi aí que tive conhecimento pela primeira vez do Cinanima. Uns meses mais tarde aluguei um quartinho numa pensão mesmo junto ao antigo Cine-Teatro S. Pedro e não perdi um só filme da primeira edição oficial do Cinanima, (no ano anterior tinha havido uma mostra de Banda Desenhada acompanhada por uma mostra de Filmes de Animação). Foi para mim, na altura um aluno da Escola de Belas Artes com ambições de vir a fazer Banda Desenhada, a grande revelação e a descoberta de que a Animação não era só aquelas séries que passavam na televisão e que tinha um potencial artístico enorme. O meu interesse pela Banda Desenhada rapidamente se transferiu para o Cinema de Animação, para o que muito contribuíram os Ateliers orientados pelo professor Belga Gaston Roch e pelo colectivo Francês Le Collodium Humide que se implementaram no Cinanima a partir de 1978.
Desde a primeira edição em 1977 apenas faltei ao Festival de 1984 porque nessa altura estava no Canada a fazer um estágio que se revelou precioso para mim. Foi esta a minha única ausência ao longo destes 25 festivais, onde participei quer como espectador, quer como aluno dos primeiros Ateliers, quer como organizador (responsável pelos Ateliers de 1980), quer como Júri de selecção (1980) e júri Internacional (1997), quer apresentando diversos filmes (como realizador (11) e/ou produtor (19) e orientador pedagógico (13) ou outro tipo de colaborações), onze dos quais receberam aqui um total de 16 prémios ou menções, quer ainda propondo colaborações pontuais tais como a 1ª Animatona Portuguesa (1985) ou o Workshop Internacional sobre os Direitos da Criança (1995) e a retrospectiva ASIFA (1997 ou 98?).
2. Que balanço faz do percurso do festival no momento em que ele assinala os seus 25 anos?
25 edições em 25 anos consecutivos é só por si um facto notável para um festival de Animação e mais notável se torna quando teve de atravessar um longo período de ausência de produção nacional. É seguramente um dos festivais de Animação com mais edições em todo o mundo, se não me engano só mesmo o Festival de Annecy terá tido mais edições do que o Cinanima. Ao longos de todas estas edições o Cinanima soube criar um espaço próprio e granjear o respeito de todos os intervenientes do mundo da Animação, para o que muito contribuiu a atenção que tem dado aos aspectos de formação através dos diversos tipos de acções de formação que desenvolveram, quer dirigidas para os principiantes ou crianças, contribuindo decisivamente para a formação das novas gerações, quer nas acções dirigidas aos profissionais, ajudando a diminuir a enorme lacuna da oferta de formação profissional apresentada pelas diversas instituições de ensino em Portugal.
Reconhecido como “parceiro” dos mais prestigiados prémios mundiais, tais como os OSCARS e o CARTOON D’OR, o Cinanima é o festival nacional com mais impacto na seu meio específico a nível mundial.
3. Poder-se-á falar de uma animação portuguesa antes e depois do Cinanima?
A nível nacional é marcante e notória a influência do Cinanima. Antes do festival ter afirmado a sua presença a produção nacional era dominada por uma vertente mais “comercial” de forte inspiração Disneyana onde as produções para televisão e a sua estética eram marcantes, muito embora a produção nacional sempre tivesse de lutar com enormes dificuldades, sobretudo no que respeita à sensibilização das redes de Televisão, situação que ainda hoje se verifica, mesmo com os acordos assinados entre as Televisões e o ministério da Cultura. A outra alternativa residia na publicidade. Praticamente não havia curtas metragens, com algumas raras excepções como os filmes de António Pilar e de José Carvalho.
A situação piorou com a chegada, ao Instituto Português de Cinema, do Dr. Salgado Matos que acabou com todos os apoios às curtas metragens em geral e à Animação em particular. Durante este longo períodos em que as produtoras nacionais não tiveram meios de se expressar, asfixiou-se toda uma geração de criadores. Só no início dos anos noventa é que, pressionado pelas instâncias europeias, o governo se decidiu a retomar os apoios à animação. A geração que começou a nascer a partir de aqui sofreu indiscutivelmente uma grande influência do Cinanima e é curioso verificar que foi no Porto, bem próximo de Espinho que se deram os primeiros passos mais consistentes e que Lisboa esteve muito tempo de costas voltadas para o Cinanima e que por isso demorou mais a encontrar o seu caminho.
A Diferença do que se fazia em Portugal antes e depois do Cinanima é muito grande e por isso mesmo penso que faz todo o sentido falar-mos da Animação Portuguesa antes e depois do Cinanima.
4. Quais são os principais desafios do festival para o futuro?
Para mim os 3 grandes desafios do Cinanima para o futuro são:
1 – A afirmação da Animação nacional, ajudando a desenvolver as capacidades criativas dos autores nacionais através quer da sua própria programação quer através de todas as actividades culturais a ela associada: Seminários e Exposições, e promovendo internacionalmente o que de melhor se faz nesta terra.
2 – Lutar pelo reconhecimento das necessidades de implementação de estruturas de formação profissionais sérias e de grande qualidade, de forma a contribuir para minimizar as lacunas na oferta de formação nesta área
3 – Ver reconhecido internacionalmente o seu estatuto de segundo maior Festival Internacional de Cinema de Animação no Mundo, para o que terá de criar a figura de “Director Artístico” ou algo semelhante, preenchida por alguém com reconhecidas capacidades na matéria e resolver definitivamente os problemas de projecção, o que infelizmente no ano passado não aconteceu no novo Centro de Multimeios de Espinho.