Diálogos Clandestino
NARRADOR
São tão tristes os portos decadentes, sobretudo de noite e em épocas de crise!
Mas respira-se uma poesia sugestiva nestes molhes de estacaria limosa e negra.
E nada fala tanto ao coração do errante solitário como este apelo eterno do mar, junto ao cais.
Foi a um destes molhes meio esbarrondados que o navio atracou pela manhã de vinte e quatro de Dezembro.
A sua carga era pobre e variada: óleo de palma, cocos, bananas verdes em começo de putrefacção, amendoins, duas dúzias de fardos de algodão.
Também vinha a bordo um passageiro, um só, de que não rezavam os livros de navegação e que não pagara a viagem,
Quem era e de onde vinha ele?
Ninguém o diria, nem que o soubesse... e ele menos que ninguém.
O silêncio é a regra de ouro dos pobres deste mundo.
Quem o pusera a bordo? Quem o mantinha e sustentava ali, durante a noite, em segredo? Mistério... Mistério!
Era a véspera de Natal, e cada qual procurou o seu aconchego, a família, se a tinha, ou o recanto enfumarado dum bar de tectos baixos, com mulheres esgrouvinhadas e descoloridas sob a maquilhagem.
Para os homens que rastejam à superfície do globo e da vida, como se pátria nenhuma os aceitasse, não há outro refúgio senão esse. E no fim, uma cama de aluguer e uns braços de empréstimo.
Mas que raio esperavam eles para o tirar da toca?
Iriam esquecê-lo, deixá-lo a bordo sozinho, metido naquela urna, a morrer de fome e de frio?...
Haveria dificuldades imprevistas ao seu desembarque?...
MARUJO
Salte cá para fora seu Tomé!
Veja se se despacha, temos de aproveitar esta aberta enquanto não há nenhum guarda no cais
NARRADOR
O que ele tinha a fazer era transpor a amurada e descer pelo cabo de amarração, como uma ratazana.
Alguns metros abaixo dele, era o cais, a terra firme, a liberdade, o pão amassado com o suor do seu rosto.
MARUJO
- Boa sorte! Vá com Deus.
NARRADOR
E intimamente amaldiçoou a hora em que lhe dera para se meter nestas andanças: se não era marujo, não sabia trepar a uma corda e nem sequer sabia nadar...
TOMÉ
- Oh rais ta parta a minha sorte! Ai!... Estou catrafilado!
POLÍCIA
- Stowaway, eh?
- You speak English?
TOMÉ
- Eu não espique inglishe, eu não espique!
POLÍCIA
- Ah!. ah! ah!...
- No eespeek! No eespeek!
- No eespeek, no eespeek...
- Now run!
NARRADOR
Não precisou de entender e correu, correu sem saber onde ia.
POLÍCIA
- Hey!... Merry Christmas!...
NARRADOR
... e só nesse instante se lembrou que era Noite de Natal.