Ulisses
A Noite é uma história de duas vidas solitárias que não comunicam entre si. É essa solidão que por vezes atinge a dimensão da noite.
Escura é a noite. Escura é a mãe neste filme.
E escuro se torna todo o Universo quando se está só e desamparado.
São as memórias infantis dos medos nocturnos, quando chega a hora de dormir e de aconchegar as vidas e os sonhos.
Quando isso não acontece, parece que a escuridão é eterna e o dia nunca chegará.
Restam sombras e solidão, despertam fantasias e medos, adensam-se pequenos ruídos e silêncios.
Na técnica usada neste filme, para que a claridade apareça, tem que rasgar-se a escuridão da tinta que cobre as placas de gesso.
Um jogo de luz e sombras para formar cada imagem. Um trabalho solitário, num quarto completamente pintado de preto. Por ironia, há um estranho paralelismo entre a solidão, o isolamento, a escuridão que a história narra e a solidão e o isolamento do quarto negro das filmagens...
Cada imagem é filmada e destruída para dar lugar à imagem seguinte. A sombra sucede a luz continuamente.
No final, o único registo dos milhares de desenhos é o próprio filme e o ultimo desenho que ficou em cada placa de gesso.
Breve biografia:
Vivi no campo, numa aldeia perto de Coimbra até aos 17 anos. O meu universo era rural. Não tínhamos televisão, o que na altura era uma grande maçada, mas hoje, reflectindo bem, acho que me salvou. Nos tempos livres pensávamos, líamos e ouvíamos os mais velhos contarem histórias.
E desenhávamos também. Um tio meu encorajava-nos, desenhando nas paredes de cal e nas portas da casa da minha avó, com carvão da fogueira. O facto de desenharmos assim, pelas paredes, ainda por cima incentivados por um adulto, dava-nos uma sensação de liberdade e de grande disponibilidade também, porque se, por um lado não tínhamos papel nem lápis, arranjávamos sempre umas paredes ou portas. Talvez isso esteja no meu inconsciente porque mais tarde vim a fazer um filme gravado em placas de gesso!...